Amarelo canário é a cor da areia da ampulheta que giro entre
os dedos, insistente e sem esperar, na impaciência dos que acompanham cada
parada do ponteiro dos segundos visualizados microscopicamente em cada grão de
areia que transpassa o minúsculo espaço da cintura do vidro. Mas o vento seca a
lágrima e o tempo empurra tudo pra frente.
O cheiro que o tempo tem embriaga as entranhas junto com a
fumaça que dança no compasso do silêncio desses pulmões impudicos. São bocas
que calam diante de olhos que gritam. Frente que controversamente parece
costas. Nessa costa de mar com gosto de lágrima. E pirraça. É a vida que a
noite fria é esquentada com profundos goles de iniciante. E como duas cobras,
essas mentes brigam entre seus inconscientes de duas almas inquietas. Na
madrugada. O fogo carece do ar porém
tudo vira água. Mais um gole. Esôfagos queimam. E o álcool desidrata a palavra que se perde.
O violão no canto da sala não erra o
mesmo acorde, a regência de um maestro imbricado no som da soprano resulta na
inutilidade da composição.
O mundo gira e na parede um pequeno quadro de girassol em
cores frias. É o inverno que chega trazendo a vontade da carne, porque a alma
já é uma só. Aquela alma que se pendura no varal frente a quem não se importa com essa roupa exposta e deixa
a chuva molhar. Nenhuma palavra se torna válida porque os ouvidos que a ouvem
semelham a chão duro e frio que me sento. Mais um gole. Não é a cachaça que me
trava e sim o choque de pensamentos em palavras nesse agora. Somos duas sendo
uma, o que faz tudo mudar o tempo todo seguindo a mesma linha, cor e batida de
coração. A diferença é a igualdade do real. Mas todas as minhas críticas
lembranças, foram extremadas e anuladas pelas gratidões apologísticas. A vida é
feita dessas pequenas diferenças que se tornam semelhanças da divergência do
nosso ser. Quem sente sabe.
Na clarividência dessa quietude, três almas vagantes na fria
madrugada perturbam a nossa vã existência . O líquido precioso se enfurece e derrama-se,
flui ao chão. Terminam-se os goles. Os
corpos presentes afligem as mentes homicidas que, filhas do carbono, escoam em água e entupem o ralo da
inspiração.
FIM.
- Por Cecília Pinheiro e Amannda Santos